BRASÍLIA - Pela primeira vez desde promulgada a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira uma autoridade. Por sete votos a três, o deputado Zé Gerardo (PMDB-CE) foi enquadrado na prática de crime de responsabilidade e punido com a inelegibilidade por cinco anos, além de pagamento de multa de R$ 25,5 mil (50 salários mínimos). Ele também prestará uma hora diária de serviços à comunidade, a serem definidos por um juiz de primeira instância, por dois anos e dois meses. Não é possível recorrer da decisão, válida após a publicação do acórdão resumindo o julgamento desta quinta-feira.
O tribunal não puniu o parlamentar com a perda do cargo. No entanto, a lei permite que, diante da condenação, a Câmara dos Deputados decrete essa medida. De acordo com corregedor da Câmara, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-GO), a sentença do STF deverá ser encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que dará um parecer. Caberá ao plenário da Casa definir se o parlamentar terá, ou não, o mandato cassado.
A punição ocorreu por conta de um crime cometido quando Zé Gerardo, então no PSDB, era prefeito de Caucaia, município do interior do Ceará com 334 mil habitantes. O STF considerou que houve desvio de dinheiro público na cidade. Em 1997, a prefeitura e o Ministério do Meio Ambiente firmaram convênio para a construção de um açude. Foram transferidos R$ 500 mil em recursos federais para a obra, que se somariam a R$ 71,8 mil dos cofres da prefeitura. Em vez do açude, foram construídas 16 "passagens molhadas" - espécie de ponte no mesmo nível do rio para uso de pedestres e veículos.
Em 2000, com as obras concluídas, a prefeitura solicitou ao Ministério do Meio Ambiente alteração do convênio, pedindo autorização para substituir o açude pelas pontes. Além de negar o pedido, o ministério recomendou a devolução do dinheiro corrigido.
O relator do STF, ministro Carlos Ayres Britto, defendeu a condenação de Zé Gerardo - inclusive com a perda do mandato e a inelegibilidade do réu. Ele também queria punir o parlamentar com pagamento de multa de R$ 102 mil, mas os demais ministros discordaram.
- O réu não só aplicou a verba pública em outra finalidade, como depois tentou apagar o rastro do crime com aditivos contratuais, de forma intempestiva, porque as obras já tinham sido realizadas - argumentou Ricardo Lewandowski.
Também votaram pela condenação Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello, Eros Grau e Cármen Lúcia. Discordaram do relator os ministros José Antonio Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello.
A decisão do STF foi tomada de última hora. Isso porque, sem levar em consideração a pena que seria aplicada, o crime prescreveria no próximo dia 25 - ou seja, após esta data, mesmo condenado, o réu não poderia ser punido. O processo foi aberto na Justiça Federal do Ceará em 2001, mas foi transferido para o STF no ano seguinte. Como foi eleito deputado federal, Zé Gerardo conquistou o direito de ser julgado em foro especial.